Pelo exemplo de Campinas, SP.
(Origem do Processo Nº 1.788/91 - 1a. Vara Criminal. Campinas, SP)
Dr. Antoneli Antônio Secanho
DD. Promotor de Justiça
2a. Promotoria de Campinas
Nesta.
Sr. Promotor
Cumprindo disposições dos Artigos 1º e 2º da Resolução N.º 205 do CONFEA, que regulamentou o Código de Ética dos Engenheiros vinculando-o ao progresso e bem estar da coletividade, encaminho a V. Ex.cia documento por mim registrado no 1º Cartório de Títulos e Documentos de Campinas sob o N.º 123.413 (em 12.07.89) no qual, pela honra do diploma de técnico no assunto, ofereci denúncia sobre diferença em valores de moeda americana correspondente a US$ 41,949,280.00 (Quarenta e um milhões, novecentos e quarenta e nove mil, duzentos e oitenta dólares). Tal importância é rejeitada como valor devido, a partir de critérios de referência, nos quais acumulam-se resultados da mais ampla experiência nacional e internacional para obras dessa natureza. Assim sendo e conforme documentação e respectiva bibliografia remissiva -- anexas ao relatório sucinto -- encaminho tal assunto a consideração de V. Ex.cia a propósito das obras da denominada ETA-4 , estação de tratamento de águas ora em construção pela SANASA.
Esclareço faze-lo agora, após decorrido todo esse tempo por have-lo antes entregue às autoridades competentes: No caso o Sr. Prefeito Municipal e ao Sr. Presidente da SANASA na respectiva época. Fí-lo na mesma data do registro já citado para providencias cabíveis, sem no entanto obter resultados compatíveis com o interesse público até a presente data. Na verdade Sr. Promotor, insultam Campinas e sua história singular no saneamento básico do País, todos os fatos desde a origem dessa ETA-4. Do açodamento inicial em seus propósitos -- e posterior empáfia ao referirem-se ao assunto -- as administrações públicas deixaram feridos os mais simples costumes éticos e da boa educação, com evidentes prejuízos finais. Esqueceram-se da extraordinária contribuição dada por Campinas à técnica da purificação de água em nosso País.
Hoje Sr. Promotor, Campinas escreve mais outra página.
Constrói a 4a. estação de tratamento longe de sua história anterior. E o faz ao arrepio da ética e respeito aos mestres. Padece com isso castigos decorrentes de tais transgressões: Executa obra cara e deixa de aproveitar área disponível para maior rendimento, antes possível em benefício social concreto.
A esse respeito Sr. Promotor, permito-me o desagravo. Como primeiro documento anexo, faço incluso breve texto da história do saneamento em Campinas, em homenagem ao Prof. José Martiniano de Azevedo Netto. Demonstra-o a extensão da afronta ao mestre, talvez a maior autoridade ainda viva, de prestígio internacional, hoje convidado por países estrangeiros como consultor para resolver problemas de saneamento sob a égide da ONU. Deixaram de aproveitar a excelência de seu projeto original da ETA-3, passível de novos e maiores aperfeiçoamentos pelo próprio autor, aliás detentor de novas e modernas técnicas, capazes de justamente reduzir-lhes custos.
E o prejuízo Sr. Promotor, é de toda sociedade!
Fazem-nos perguntar que costumes nos governam e, a quanto chegaremos por força dos hábitos assim formados. A começar pelo desrespeito ao mestre, passando pelo sedimentado e temeroso silêncio -- imposto ao corpo social desfibrado -- a se aceitar como práticas "naturais" do cotidiano, contra os quais nada há mais de se fazer!
Começaram pela simples transgressão de uma elementar norma de boa educação. Terminaram pelos altos custos até agora inexplicados em meio a auditorias, cujos resultados são guardados em sigilo e cujas respostas concretas às dúvidas de um cidadão, se constituem em ameaças. Ainda incluem o aviltamento dos próprio técnicos da SANASA, pela demissão arbitrária de seus mais antigos chefes, alguns dos quais há mais de 20 anos de casa. Para depois disso ainda, desacompanhados de qualquer diretor técnico, conhecido por qualquer credencial, mas apenas por um consultor contratados às pressas, servirem intimidados como massa de manobra para encobrir propósitos ocultos, de conveniência política.
Demonstram isso os atos passados no gabinete do Sr. Prefeito Municipal em data recente. Em meio a coerção pela prepotência já demonstrada, os utilizaram para anunciar não só o resultado dessa transgressão ética já exaustivamente referida, mas também as próprias normas da ABNT, balizadoras de melhores costumes na condução de obras públicas: Afirmaram ser o último custo dessa ETA-4 nada menos que US$ 120 milhões de dólares!
Ora Sr. Promotor, deixando de lado outras considerações, a menos de um mês o próprio Sr. presidente da SANASA mais modestamente o fizera em seu gabinete em entrevista à imprensa: Resultado de "negociações" e "auditorias", a obra valia apenas a importância de US$ 85 milhões de dólares! Esse valor foi publicado -- ainda desconsiderando o inicial do contrato -- tanto quanto também o fora o anunciado pelo presidente interino meses antes, como sendo somente US$ 55 milhões de dólares! Cujo valor por sua vez, é contestado pela documentação de prova anexa, sobre a qual até agora foram incapazes de dirigir o mais leve esboço de contestação. Em suma: Tudo jamais poderia custar acima de US$ 27,091,192.00 de dólares, conforme documento público registrado em cartório!
Na verdade Sr. Promotor, trata-se de dólares oriundos do exterior incorporados à dívida externa do País, que tanto nos faz padecer. Trata-se Sr. Promotor da mais clara demonstração de como se dissemina sofrimento à sociedade, enquanto através da permissividade da administração pública, encaminham-se tais recursos às grandes concentrações de rendas: Demonstra-se agora, em toda nudez!
A história registra costumes de povos, países e cidades como a grega Lacedemônia onde era permitido roubar ou na China da antiguidade onde era permitido enganar. Eram até normas de contrato social como nos relata o Sr. Montesquieu em seu tratado sobre o espírito das leis. A história mais recente ainda registra chefes de estado estrangeiros referirem-se a nosso País como pouco sério. Além, hoje verifica-se a displicente atenção quanto aos nossos pedidos de financiamento pelos organismos internacionais. Ora, no mais das vezes negam e, com justa razão como se vê: Pelo exemplar superdimensionamento dessa ETA-4. O agente financeiro no caso e por muito favor, apenas dispôs-se ao custeio, nos justos limites do gráfico utilizado como prova, sem mais oferecer!
Evidencia estarem cobertos de razão esses agentes -- em seus gráficos e curvas de custos -- quando negam recursos além dos indispensáveis à boa aplicação social! Devemos até ser-lhes grato por isso! A ETA-4 bem o demonstra afinal.
Ora Sr. Promotor, tais questões nos fazer perguntar sobre que País teremos, se deixarmos a cada momento de fazer o que for nossa responsabilidade -- por achar que outros melhor o farão -- apesar de termos todas as provas na mão! A ser assim, quando chegará o momento de lutar? Quando será iniciada essa mudança desses costumes, se com todas as provas e documentos recusarmos dar-lhes cursos? Porque afinal deixarmos de utilizar os recursos de defesa que a sociedade ainda dispõe ? Seria abandonar a esperança! Seria o caminho para nos tornarmos uma nação de desfibrados, uma nação de escravos .
Na verdade, Sr. Promotor, essa ETA-4 é um pequeno exemplo.
atenciosamente.
Campinas, 11 de setembro de 1990
Raul Ferreira Bártholo
Eng.º Civil CREA 31.018/d
Anexos:
Relatório Sucinto e demais elementos de prova em cinco volumes.